sábado, 13 de setembro de 2025

Bruxas e coisas ruins!

 Contava-me a minha avó que ao passar no cruzamento do Rio do Souto era difícil segurar nas vacas que puxavam o carro carregado com uma pipa de vinho que ia levar à Póvoa. Elas pressentiam qualquer coisa e a escuridão da noite fazia o resto. Nunca, durante o dia, enquanto o sol iluminava o mundo e aquecia os nossos corações, alguém avistara o mafarrico ou alguma bruxa que com ele estivesse feita, mas quando caía a noite tudo podia acontecer.

De noite todos os gatos são pardos, lá diz o ditado e qualquer ruido feito por um repelão de vento levava o povo a dizer que andava por ali o diabo. A Póvoa ficava longe e para lá chegar ao abrir das lojas era preciso fazer trotar as vaquinhas num passo certo. O pessoal da casa deixava o carro preparado, com a pipa bem amarrada, antes de se irem deitar. A minha avó levantava-se pouco depois das 2 horas da madrugada, apunha a junta de vacas ao carro e ei-la a caminho da terra dos pescadores que não passavam sem o tintol que ia dentro da pipa.

Por volta das 7 horas, mais coisa, menos coisa, teria que estar à porta do tasqueiro para descarregar a pipa e, portanto, não podia distrair-se. A minha avó morou, durante alguns anos no lugar de Talho e depois, outros tantos anos, até a sua filha se casar, no lugar do Formigal (hoje desaparecido). Por isso ela conhecia bem aquele cruzamento que ligava o lugar de Talho a Penedo passando por cima da estrada que liga as Fontaínhas a Barcelos.

O dito Rio do Souto era um fio de água que vinha lá do lugar dos Araújos, passava pela fonte de Cruzes e no Luvar se juntava ao Rio Codade, também conhecido pela designação de Ribeira de Macieira que de Goios vinha em direcção a sul, passava por Macieira e ia desaguar no Rio Este. Na minha memória de criança, pois saí de Macieira aos 11 anos, o lugar do Rio do Souto era um lugar triste e sombrio habitado por gente velha, sombria e triste também. 

Se era essa escuridão - até as velhas do Rio do Souto que só saíam de casa para ir à igreja andavam sempre vestidas de preto - a velhice dos habitantes ou a falta de crianças, naqueles arredores, que davam um ar sinistro ao lugar e punham em sobressalto as vacas que a minha avozinha levava pela soga, eu não sei, mas aceito palpites. Nos velhos tempos, havia sempre almas penadas que andavam a correr o fado e a mina avó acreditava nisso tanto como Cristo ter vindo ao mundo para nos salvar.

"Correr o fado" pode ter dois significados principais: na tradição popular e no folclore, refere-se a uma ação mágica ou ritual de um lobisomem (ou outra figura mítica) que corre durante a noite por um percurso específico (setes pontes, montes, etc.) para quebrar uma maldição ou realizar um destino".

A Fonte de Crujes poderia ser uma das sete visitadas pela alma penada que depois passava pelo Rio do Souto a caminho da Cumieira, ou outro lugar qualquer onde houvesse outra fonte a visitar. As vaquinhas que a minha avó levava pela soga tinham que ir à Póvoa e voltar para casa, antes que o dia terminasse. Por vezes vinham ainda carregadas com estrume, pilado ou sargaço que os lavradores aceitavam como moeda de troca pelo vinho, e parece-me pouco provável que detectassem a presença de qualquer alma penada, mas bastava baterem com os cornos de uma na outra para pôr a minha avó em sobressalto.

Se uma alma penada fosse interrompida na sua corrida por qualquer pessoa, seria essa pessoa condenada a fazer o resto da corrida até o fado ser desfeito. E eu tenho a certeza que a minha avó não estava par aí virada, a vida já lhe era bem pesada para aturar uma mãe doente e uma filha sem pai que as ajudasse a suportar o pesado fardo do dia-a-dia!