sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

A morte da Rosalina!

Era uma vez uma menina feia, gorda e mal vestida …
Nenhuma história deveria começar assim, mas esta não é uma história qualquer e muito menos um conto de fadas, em que todas as meninas são muito lindas e acabam muito felizes para sempre.
Chamava-se Rosalina e era a mais nova de três irmãos, cuja mãe tinha morrido quando era ainda bebé, e de quem não guardava qualquer recordação. Tinha cerca de oito anos quando aconteceram os factos aqui narrados.
Era feia porque Deus assim quis. Era gorda, não por comer demais, mas possivelmente devido a algum problema de saúde que nunca ninguém se preocupou em descobrir. E era mal vestida porque era pobre como Job.
O pai, incorrigível alcoólico e vadio, gastava o seu tempo deambulando de feira em feira e de tasca em tasca, à procura de quem lhe pagasse um copo em troca de uns acordes arrancados à velha concertina que sempre carregava às costas. Segundo ele, era um artista do melhor que se podia encontrar, ali pelas redondezas. Segundo os outros era um «rilha-foles» que servia apenas para animar pequenos grupelhos, em fim de feira ou romaria.
O seu filho mais velho, sem ocupação conhecida desde que abandonou a escola primária, acompanhava-o quase sempre na expectativa de garantir um pedaço de pão, ou algo mais suculento em dias de sorte, para mitigar a fome sua companheira inseparável. Sempre havia um farnel, cuidadosamente preparado para a romaria daquele dia, donde uma velhota simpática, com pena do pobre rapaz filho do tocador de concertina, tirava um pedaço para lhe aquecer o estômago. Ficava bem com Deus, em paz com a sua consciência pela boa acção praticada, e o miúdo com mais umas calorias para ajudar a manter e desenvolver aquele magro corpito.
O segundo filho, rapaz mais pacato que o seu irmão, nunca acompanhou o pai. Segundo a vizinhança saía mais ao lado da mãe e não entendia aquela vida de vagabundos que o seu pai e irmão teimavam em levar. Tendo abandonado a escola mais cedo, por não lhe reconhecer qualquer serventia para o seu incerto futuro, gastava o seu tempo por casa dos vizinhos e conhecidos a quem ia ajudando em troca de uma côdea de pão. Algumas vezes mais não fazia que brincar com os meninos da sua idade, filhos das famílias de lavradores da sua aldeia. Mas até isso tinha o seu valor, pois o excesso de trabalho das mães de família deixava-lhes muito pouco tempo para dedicar aos miúdos, e assim sabiam-nos ocupados com alguém mais velho e responsável. Outras vezes ia para o campo tomar conta das vacas enquanto pastavam. E assim ia vivendo e justificando junto dos seus benfeitores aquilo que lhe davam para comer, sem pesar nas costas do pai que muito lhe agradecia.
Além destes três belos exemplares do sexo masculino havia então a menina referida no início desta narrativa. Criada ao abandono nunca tinha frequentado a escola primária. O pai não a queria por perto pois não sabia como garantir a sua subsistência. Os irmãos viviam uma vida tão miserável como a dela e não lhe podiam valer. Às vezes o irmão mais novo levava-a com ele, mas raramente ficavam juntos até ao fim do dia. As brincadeiras ou o trabalho sempre faziam que se separassem um do outro.
Ao fim do dia, de regresso ao casebre onde viviam, era raro encontrar alguma coisa de comer. O pai, se vinha bêbado, deitava-se a dormir. Nas vezes em que isso não acontecia entretinha-se com a filha a cozinhar uma panela de sopa para aquecer o estômago. Meia dúzia de batatas, umas folhas de couve galega e uma manada de farinha de milho e estava a sopa feita. Acompanhada com um belo naco de broa de milho era o melhor manjar a que os pobres, daqueles tempos de miséria, podiam aspirar.
A Rosalina saía cedo de casa onde nada a prendia. Vagueava pelos caminhos da aldeia, indo de casa em casa sempre na esperança de que alguém a chamasse para lhe dar qualquer coisa ou pedir que ajudasse a qualquer serviço da casa. Era ainda muito nova, mas forte e determinada e não tinha medo do trabalho. Nunca pedia esmola, mas todos sabiam o que queria quando a viam aparecer. Todas as famílias das redondezas a conheciam e, de forma mais ou menos encoberta, lá a iam ajudando a sobreviver, sem, contudo, criar vínculos que a ligassem a alguém em particular. Talvez porque ela, inconscientemente, quisesse preservar a sua liberdade. A liberdade de passar fome, mas poder passar um dia inteiro na brincadeira, se assim o desejasse.
Vestia-se dos farrapos que os filhos dos outros deitavam fora, ora por velhos de mais ora por não lhe servirem já. Uma vez uma senhora rica ofereceu-lhe um lindo vestido que deixara de servir à sua filha. Era branco, bordado e ficava-lhe tão bem que a Rosalina parecia uma princesa dentro dele. Claro que, com a falta de asseio que havia na sua casa, em pouco tempo se transformou num farrapo.
De entre todas as casas que a menina frequentava, havia uma, em especial, onde era muito bem acolhida. Grande casa de lavoura cheia de criados e jornaleiros que garantiam a boa execução de todas as tarefas diárias, era um céu aberto onde a Rosalina se sentia bem. A dona da casa gostava da menina e não lhe teria custado nada tomar conta dela para toda a vida, mas não era essa a vontade da interessada. Passar lá o dia, encher a pança e regressar a casa à noite era tudo o que ambicionava. E havia ainda outro factor que fazia com que ela não fosse até lá tantas vezes como desejava. Morava no extremo norte da aldeia e a casa de lavoura ficava no extremo sul da mesma, a uma distância de mais de três quilómetros. As mais das vezes saía de casa com o firme propósito de ir até lá, mas, encontrando outros miúdos pelo caminho, perdia-se na brincadeira e chegava ao fim do dia sem lá ter chegado.
Mesmo assim, quando a fome apertava, era para lá que as suas pequenas pernas a levavam. Ocupava o dia tomando conta dos filhos mais novos da família, servia de ajudante de cozinha, fazia os recados da dona da casa ou carregava a cesta da merenda para os jornaleiros. Havia sempre o que fazer.
Uns dias antes do Natal daquele ano, a senhora chamou a Rosalina e disse-lhe que contava com ela para ajudar na cozinha, na véspera do dia da festa, pois havia muito que fazer e toda a ajuda seria necessária. Disse-lhe também que dormiria lá em casa naquela noite e passaria com a família o dia seguinte. É claro que a menina ficou toda contente. Uma vez na vida ia ter um Natal à moda dos ricos, com direito a barriga cheia de comida boa, doces e tudo o mais de que tinha ouvido falar, mas que nunca tinha visto nem provado. E disse-lhe que sim senhora que lá estaria para tudo o que fosse preciso.
Chegado o dia levantou-se cedinho, vestiu a melhor roupinha que tinha no seu miserável guarda-roupa e partiu a caminho daquela casa, onde se sentia bem e todos tratavam como gente.
Cantarolou todo o dia e trabalhou mais do que parecia possível o seu ainda frágil corpo suportar. Na sua mente estava o sonho de, para além de comer, aprender a preparar aquelas iguarias todas, para, quem sabe, um dia as poder apresentar na mesa da família que um dia viria a constituir. Em casa farta, além do tradicional bacalhau cozido com batatas e hortaliça, havia também muitos bolos e doces que começavam, aos poucos, a cobrir o tampo daquela grande mesa que estava a ser preparada para o banquete daquela noite.
A Rosalina tudo viu e ajudou a preparar e quando chegou a hora de lhe meter o dente, não se fez rogada. Comeu tudo o que quis e lhe coube no estômago. Ela sabia que dificilmente teria outra oportunidade de saborear tais acepipes e era, portanto, a altura certa para tirar a barriga de misérias.
Sentiu-se, pela primeira vez na sua vida, parte daquele mundo em que as pessoas viviam a felicidade de não ter que pensar no que meter à boca, para travar o bichinho da fome que não para de roer o estômago dos pobres.
Sentia-se saciada, mas também muito cansada. Era chegada a hora de arranjar um canto para descansar o seu ainda tão jovem corpinho. E foi então que lhe veio à ideia a lembrança do pai e dos irmãos que possivelmente não tinham arranjado nada para comer, ou pelo menos nada a que se pudesse chamar realmente comida. E decidiu regressar a casa levando qualquer coisa para eles comerem, qualquer coisa que lhes pudesse transmitir uma parte daquela felicidade que ela sentia.
Falou com a dona da casa que não gostou nada da ideia, mas não foi capaz de a demover dos seus propósitos. Em três tempos meteram numa saqueta um bom tachinho de comida, acrescentaram-lhe algumas guloseimas e ei-la a caminho de casa, já antevendo a cara de felicidade que os seus irmãos fariam, uma vez que o pai estaria, quase de certeza, adormecido e a curtir a borracheira do costume.
E foi a última vez que viram a Rosalina com vida. Na manhã seguinte, dirigia-se o pessoal da aldeia para a matutina e festiva missa de Natal, encontraram-na sentada na berma da estrada segurando o saquinho da comida, como se descansasse da canseira do dia anterior. Só que o descanso era eterno, estava morta.
Nunca ninguém soube de que morrera a menina. Para as autoridades um pobre a menos era sempre uma notícia boa e, por isso, ninguém perdeu muito tempo a investigar o que poderia ter acontecido. Na verdade pode ter morrido de cansaço ou de frio, ou ainda de algum mal congénito que ninguém conhecia. Eu prefiro pensar que foi o seu pobre coração que não foi capaz de suportar a enorme felicidade que sentia, nem a ansiedade de ver a cara dos seus irmãos quando lhes oferecesse aquilo que levava naquela saquinha que apertava ainda entre as suas pequenas e geladas mãozinhas, como se tivesse medo que alguém lha pudesse roubar.
Pobre Rosalina. Hoje, onde quer que ela possa estar, deve sentir-se muito feliz por ter morrido naquele dia. O dia em que atingiu o cume da felicidade que é possível atingir-se neste mundo, e conseguindo assim eternizá-la.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Saudades da minha terra natal!


 

Farto de estar fechado em casa, por causa da maldita Covid-19, peguei no carro e fui uma volta. Não tinha qualquer destino definido, mas quando dei por isso ia a caminho de Macieira. Virei à direita, em Terroso e em três tempos estava em Rates. Continuei em direcção a Courel, onde ingressei na Instrução Primária, em 1950 e, ao aparecer-me a placa indicando Macieira de Rates, girei o volante para a direita e enquanto diabo esfrega um olho estava no Outeirinho, junto à «Venda de Macieira».

Em época de Natal somos obrigados a pensar em compras e, antes de mais, no fiel amigo para a Consoada. Esta no sítio certo e a minha compra sempre serviria para ajudar outro macieirense como eu, um neto do Sr. Campos que agora está à frente do negócio que funciona como supermercado (sinal dos tempos).

O primeiro bacalhau que eu comi na minha vida, há já muitos natais, também foi ali comprado e, por conseguinte, mastigar o bacalhau que hoje comprei vai levar-me de volta à minha infância, cerca de 70 anos atrás. Nesse tempo de miséria, as famílias pobres davam uma volta por casa dos lavradores e recolhiam as ofertas para ajuda da Ceia de Natal, umas poucas de batatas e uns decilitros de vinho. No fim da volta, chegava-se a casa com uma arroba de batatas (se a coisa corresse bem) e uma cantarinha de vinho. Para o bacalhau tinha que se recorrer ao pé de meia, pois esse ninguém o oferecia.

E é assim a vida, dei a volta, escrevi a crónica e agora aqui fica registada para a posteridade!

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Os Gomes do Outeiro!

A «Família Gomes» foi uma das grandes do lugar do Outeiro, durante os séculos XVII e XVIII, não pela fortuna pessoal que essa eu desconheço, mas pelo número de membros que deu à freguesia.
Quis ver se era possível descobrir qual era a casa desta família, o que não se me afigurava difícil uma vez que as casas do lugar não eram assim tantas nessa era.
Sem o poder afirmar com certeza, estou convencido que a dita casa era aquela que fica ao lado da do Salvador e o seu último ocupante (que eu conheci) foi a Srª Emília Gomes Soares, casada com o Sr. Manuel António Vieira, conhecido na freguesia pela alcunha de «Manel da Emília». Filha mais nova de António Gomes de Araújo e de Ana Rita Soares, ela nasceu no ano de 1896 e casou em 1942. Tanto como me é dado saber, não houve filhos deste casal.
Para completar esta minha pequena pesquisa, fui ver que outros Vieiras viveram em Macieira, na mesma era, e descobri que não foram muitos, nem muito afortunados. No lugar da Igreja um António José Vieira, casado com Luiza Cândida da Silva que tiveram 5 filhos, tendo os primeiros 4 morrido ainda crianças. O mais novo dos filhos era uma menina, de seu nome Maria Beatriz que se casou com Joaquim Ferreira de Brito, em 1932 e abandonou a nossa freguesia, após o casamento, pelo que não existem outros registos a seu respeito.


E, no lugar de Penedo, António Augusto Vieira, casado com Ana de Oliveira, de quem nasceu o Manuel António, acima referido, ou «Manel da Emília» de sua alcunha. Segundo consta do seu registo de nascimento, casou uma segunda vez, em 1965 e veio a falecer em 2003.
Para terminar, o casal Ambrózio Gomes e a sua mulher Maria Antónia que criaram um rancho de filhos, na segunda metade do século XVII, devem (suposição minha) ter sido dos primeiros ocupantes desta casa.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Os Sousas de Macieira!


A primeira vez que aparece, em Macieira, o apelido de Souza é neste assento de casamento de Joze Alvares Ferreira, do Outeiro, que era um dos meus antepassados (avô da minha bisavó Eusébia). O casamento foi realizado em Balazar, de onde era a sua mulher, Illena Maria de Souza. Assim podemos depreender que o apelido veio de Balazar para Macieira.


Todos os filhos deste casal (6) usaram o apelido completo de Alvares de Sousa. Do casamento do Joaquim (sublinhado a negrito) nasceu a minha bisavó, referida acima.
Nesta mesma época viveu, no lugar da Cumieira, um Bento Alvares de Souza, casado com Antónia Maria, de quem nasceram dois filhos, um rapaz em 1814 e uma rapariga no ano seguinte. Não encontrei, nos 50 anos anteriores a 1814, o registo de nenhum rapaz com o nome de Bento, nem tão pouco o registo do seu casamento que poderia ter acontecido por volta de 1790. Quer isto dizer que o mais provável é que não fossem originários de Macieira, nem um nem o outro, fazendo com que os primeiros Souzas nascidos e criados em Macieira sejam os 6 filhos de Illena (ou Ellena, pois aparece escrito das duas maneiras nos vários registos que consultei), um dos quais é o meu trisavô Joaquim.