terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A Lagoa Negra da minha infância!

A Lagoa Negra
“Lagoa Negra! Pélago profundo de águas lutuosas, como a carpir os mortos que tem no seio – negras águas tingidas de escuridade pela caligem de uma noite de Quarta-feira de trevas! -a quantos pobres de Cristo terás tu dado forçado agasalhamento, ó tenebrosa Lagoa Negra”. 
ooOoo
Desde pequenino que ouvia falar na Lagoa Negra. A minha avó materna tinha vindo de lá e de vez em quando este nome aparecia nas conversas entre ela e a minha mãe. Era apenas o nome de um lugar, mas para a mente fértil de uma criança era o suficiente para pôr a imaginação a funcionar. E depois ouvia contar a lenda de um grupo de mineiros que lá tinha desaparecido sem deixar rastos. 
No Século II a.C. (antes da Era Cristã) os romanos entraram em força em Portugal, sofreram forte oposição dos Lusitanos, assassinaram o nosso primeiro grande símbolo guerreiro, O Viriato, deram o primeiro grande impulso à cidade de Lisboa (Olissipo) e marcharam para o norte até atingiram as margens do rio Lima.


Os romanos tinham por objectivo conquistar e dominar todas as terras e gentes que viviam na orla do Mar Mediterrânio, o “Mare Nostrum”, como eles lhe chamavam. Portugal não fica nas margens do Mediterrâneo, mas vem logo a seguir, especialmente para quem se desloca por via marítima, pois mal atravessa o Estreito de Gibraltar com duas rajadas de vento do sudoeste chega a Lisboa. E os romanos depressa descobriram que em Portugal havia algumas riquezas que lhe davam muito jeito, a começar pelo azeite, o vinho e os minérios como o ouro e a prata. Pois é aqui, nesta época, que começa a minha história. 
Tal como hoje, também nesses tempos o ouro era rei. Quem o tinha, tinha o poder e quem o não tinha, era dominado ou escravizado com a maior facilidade. Por essa razão os romanos exploravam qualquer filão que, por artes que ainda hoje não entendemos, se lhes deparava no caminho. Foi o que aconteceu num recanto da freguesia de Barqueiros, lugar que marca a fronteira entre os concelhos de Barcelos (onde nasci) e da Póvoa de Varzim (onde resido).


Quando a minha avó nasceu, nos idos de 1890, já nem sinal das minas de ouro romanas existia, mas apenas uma lagoa de águas escuras que toda a gente afirmava que não tinha fundo e de que tinham um medo danado. Segundo a lenda, um dia as mulheres dos mineiros chegaram trazendo o almoço aos seus maridos, viram as roupas deles penduradas nas árvores, as minas completamente inundadas de água barrenta e dos mineiros nem sinal. A teoria que começou a espalhar-se explicava que eles foram escavando túneis em direcção ao mar, ali a dois ou três quilómetros de distância, e lá chegados a força das águas irrompeu pelos túneis da mina enchendo-a até à boca. E dos mineiros nem sinal, nenhum corpo foi recuperado, o que serviu para dar um ar sinistro à lenda e àquele lugar, pois se acreditava que as almas penadas dos mineiros vagueavam por ali à espera de recuperar os seus corpos para terem um funeral digno. Até hoje, por lá devem andar ainda.
Tinha eu por volta de 10 anos, talvez um pouco menos, quando a minha avó me nomeou seu guarda-costas para a acompanhar em visita aos seus familiares que vivam nessa, para mim fantástica, terra que já fazia parte do meu imaginário novelesco. Entre a freguesia de Macieira, onde residia a minha família, e o lugar de Lagoa Negra iam uns bons dez quilómetros que era preciso vencer a pé por entre bouças e pinhais onde não se encontrava vivalma. É claro que tudo o que eu queria era ver aquela lagoa onde os mineiros tinham desaparecido e, embora “cagado de medo”, ver se avistava alguma das almas penadas que se dizia vaguearem por ali. 
Nem vale a pena contar que depois dos dez quilómetros nas pernas, tudo o que eu queria era descanso e uma vez entrado na casa dos meus primos não mais voltei a sair. Comi o almocinho que nos deram, a mim e à minha avó, descansei bastante e a meio da tarde enfrentamos os dez quilómetros de regresso a casa. E só há meia dúzia de anos voltei àquele lugar, depois da morte das sobrinhas da minha avó que morreram solteiras deixando apenas um filho, nascido de mãe solteira e no mesmo ano que eu. Queria ver o meu primo que há muitos anos não via, saber se tinha constituído família e garantido descendência e, secretamente, levava na ideia a velha cisma de deitar os olhos à lagoa dos mineiros romanos.


Afinal ficou-se a coisa pelo desejo, pois nem desta vez o consegui. Os caminhos servem e mal para a passagem dos tractores agrícolas e para quem não quer andar a pé, como é o meu caso, o lugar é inacessível. Ainda por cima, acompanhado pela minha mulher que me acusa de a levar sempre para sítios esquisitos, não me restou outra solução a não ser abandonar a ideia e contentar-me apenas com a visita aos meus primos (uso o plural porque ele tem filhos e netos também). Por conseguinte e para vossa informação, a única visão que tenho da Lagoa Negra é a que podeis ver na imagem acima.

2 comentários:

  1. Ora aqui esta mais un pouco de historia que eu ignorava!Fantastico todas as coisas que vou sabendo,( e que jamais tinha ouvido falar)graças ao Sr.Manuel! Se a Lagoa Negra se encontra en Barqueiros,ca perto,deve ser facil de encontrar!Eu nao tenho medo de andar,até preciso,pour isso,quem sabe se ainda irei dar uma volta pour la!!!!

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  2. Agora que conheço o caminho já lá fui várias vezes. Só que é mais bonito nas fotos que ao natural.

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